O que vem a ser um dogma?
Muitos utilizam essa palavra
sem o pleno conhecimento de seu significado. Bem, segundo o dicionário Houaiss
da língua portuguesa, temos como definição: " s.m. Teologia. Aspecto, item particular, mais
importante de uma doutrina religiosa que se apresenta como algo indubitável ou
inquestionável.
P.ext. Qualquer discurso ou ideologia de teor
inquestionável.
P.ext. Causa delimitada; opinião estabelecida;
preceito.
(Etm. do grego: dógma.atos, pelo latim:
dogma.atis)".
Já a questão da normalidade é mais complexa e vamos
nos utilizar da conceituação de alguns autores que se debruçaram sobre o
tema:
"Segundo Davis (apud Silva, 1997, p. 8), a noção
de norma e normalidade é uma invenção relativamente recente. Embora, como diz
Davis, a tendência a fazer comparações seja muito antiga, a gênese da idéia de
norma e normalidade localiza-se nos séculos XVIII e XIX, em conexão com o
processo de industrialização e de transformação capitalista. Desenvolveu-se aí,
em conexão com noções sobre nacionalidade, raça, gênero, criminalidade e
orientação sexual, um conjunto de práticas e discursos centrados ao redor da
noção de norma e de normalidade. [...] Nesse sentido, a norma se
estabelece a partir do controle, da regulação da população. O interesse em uma
população saudável, perfeita, normal, incide em uma questão mercantilista de
produção, ou seja, sujeitos governados e adestrados para a produção e o
consumo."(http://www.pedagobrasil.com.br/educacaoespecial/inclusaoexclusao.htm)

"Aristóteles afirmava que o
homem é um animal político (“Homo zoon politikon”), o homem é naturalmente
gregário. Diferentes grupos criam hábitos diversos, dependendo tanto do
ambiente quanto do fator histórico ou da sua concepção de rerum natura (do
latim “a natureza das coisas"). Se desprender-se dos hábitos do seu
grupo constituísse anormalidade, estaríamos determinando uma espécie de súplica
por estagnação. As normas seriam invariáveis, impossíveis de qualquer
mobilidade ou modificação. Nosso modo de viver, ao contrário, é um constante
reavaliar do que temos feito e do que podemos fazer, de forma que as normas,
leis, valores morais e padrões estéticos modificam-se com certa frequência no
transcorrer do tempo. Nossa própria concepção de normal é variável."
(http://tenhaumatoalha.wordpress.com/2011/12/12/o-ideal-normalizador-e-as-muitas-visoes-sobre-a-normalidade/)
Dessa forma, a partir dos conceitos
esclarecidos acima, podemos entender o dogma da normalidade seria um discurso
inquestionável sobre algo que está em constante mudança e contradição e, que
não é, de forma alguma natural e sim, uma invenção, adaptação que cada cultura
e época constrói para adequar os indivíduos aos interesses dos setores
dominantes.
E nesse sentido que estamos nos propondo
a refletir sobre o conceito do dogma da normalidade em nossa sociedade.
Primeiro é interessante questionar quem estabeleceu no ocidente contemporâneo o
que é e o que não é NORMAL. Quais os interesses em declarar que certos
indivíduos podem ser considerados sãos e quais devem ser considerados
insanos/loucos/desajustados?

Como já citado por Davis o processo de
industrialização e a transformação (e consolidação) capitalista são
determinantes para tal classificação de normalidade. É normal o que é útil à
engrenagem capitalista. Ou seja, as pessoas precisam ter pensamentos, valores e
comportamentos que coincidam com os interesses da burguesia. A ideologia
burguesa, incluindo a grande mídia, é grande responsável por veicular
esses pensamentos/valores/comportamentos entendidos pelo senso comum como
"normais". Assim temos alguns exemplos bastante óbvios do que estamos
tratando: é normal menina gostar de rosa e brincar de boneca (o contrário não); é normal que os adolescentes do sexo masculino possam ficar com várias meninas
(o contrário não); é normal que todos se casem com UMA pessoa do sexo oposto (o
contrário não); que tenham filhos herdeiros; que formem famílias tradicionais e
nucleares (o contrário não); que as classes trabalhadores sejam exploradas para
gerar lucro às classes dominantes - trabalhando 8 horas por dia ou mais e
ganhando em média algo próximo de um salário mínimo; é normal que as profissões
e salários mais valorizados sejam aqueles condizentes com o aumento da economia
capitalista. Ou seja, as pessoas precisam seguir uma trajetória de vida que se
encaixe com os interesses burgueses.
Mas o que acontece quando um indivíduo
foge a esses padrões? estigmatização, patologização, discriminação, perseguição,
exclusão, punição, criminalização.
E é dessa forma que em nossa sociedade é
bem mais aceita uma família tradicional desestabilizada do que uma família
baseada em modelos alternativos; mais aceito um casal hetero sem condições
psicológicas e financeiras para criar uma criança do que um casal homossexual
com as melhores condições possíveis; mais aceito um homem que traia sua esposa
do que aceite ter com ela uma relação aberta; mais aceito um casamento monogâmico
por interesses financeiros ou fundamentados em condições patológicas de dependência,
ciúme, insegurança, possessividade e machismo do que um arranjo poliamoroso
realizador e potencializador para todos os envolvidos.
Sendo assim, proponho que repensemos os
conceitos de normalidade: “O ‘anormal’ de uma sociedade pode ser apenas alguém
distanciado de sua cultura de origem, ou uma voz dissidente do poder
instituído. O que em outras épocas era considerado loucura, hoje pode ser padrão
de normalidade. O que era considerado um absurdo nos padrões da ‘norma’,
poderia ser uma grande descoberta, algo capaz de revolucionar a sociedade.”
(AIUB, 2011.)
Sharlenn