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sábado, 31 de maio de 2014

Ovelha Negra


Não é fácil ser tão diferente dos padrões estabelecidos pela sociedade. Hoje, nao sofro por uma dualidade subjetiva, sinto-me bem sendo quem sou – ateia, socialista, rockeira, poli, bissexual, pretensa filósofa e escritora. Mas percebo que sou uma bizarrice perante os outros... Isso nao deveria me incomodar, mas fui condicionada a tentar agradar, a ser aceita (por mais que nunca tenha sido). Às vezes odeio não conseguir ser “normal”, às vezes gostaria de ser burra, tapada, acomodada, alienada... viver como a maioria vive, pelo menos estaria com minha filha...

Mas nao há volta...estou seguindo o caminho de “se tornar a ser o que se é”. Luto publicamente, politicamente em defesa do Poliamor, contra toda forma de opressão, contra o dogmatismo religioso, filosófico...ainda assim, me sinto uma completa fracassada! Não consigo fazer muita coisa e o que faço tem tão pouco reflexo na sociedade...

Esse mundo é insano! As pessoas vivem achando que são livres!!! Mas nao conseguem se libertar nem em suas mentes! Completamente manipuladas pela ideologia burguesa... E eu vejo tudo isso, olho pra mim, minha impotência, vejo o quarto vazio da minha filha, penso nos 31 anos de vida desperdiçados.. e choro!

Quando desanimo, as pessoas mais próximas me reafirmam que o mundo precisa de pessoas como eu, com coragem, força, inteligência, conhecimento e boa-fé... Mas cadê tudo isso em mim que eu não vejo? Que coragem é essa que me paralisa quando preciso agir, quando preciso gritar?!

Para que me serve a inteligência e o conhecimento se não consigo transformá-los em nada de útil? Não consigo nem ao menos ser a professora que já fui um dia...não acredito mais que posso convencer ninguém através da razão...se a estrutura social nao mudar, nao há solução...nem pra mim, nem pra ninguém.

Está tudo errado...mas quem se importa?!

Nem todas as escolhas são fáceis, principalmente aquelas que vão contra a corrente, mas ou  é viver tendo consciência das consequencias de ser "diferente"(assumindo os riscos e responsabilidades dessa escolha) numa sociedade de "iguais", ou fazer lobotomia :P

Mas nisso tudo, uma coisa é certa, o Rafael (meu "polimarido") foi/ é a pessoa mais companheira e dedicada que conheci na vida! Sei que para muita gente esses conceitos parecem incompatíveis: não exclusividade  afetiva/ sexual X amor e companheirismo... Desolador o que o moralismo vigente consegue fazer com a cabeça das pessoas...

Mas é esse mesmo Rafael, poliamorista, que não me pede exclusividade nenhuma, o único que está todo esse tempo ao meu lado, me levantando quando caio, enxugando minhas lágrimas, me ajudando a continuar... 


Sharlenn 

quarta-feira, 28 de maio de 2014

A particularidade dos amores


Atualmente eu vivo alguns amores. Todxs são muito importantes para mim e fazem parte da minha vida, porém, obviamente, como são pessoas diferentes, o que sinto e vivo com cada uma delas é próprio de cada relacionamento: a organicidade é diferente, as compatibilidades, as afinidades, o sexo (ou falta dele), o nível de intimidade, etc.

Percebo também que nem sempre amo com a mesma intensidade que me amam e vice-versa – mas acho que isso não é um problema – o que importa, ao meu ver, deve ser se o grau de satisfação que os parceiros sentem na relação é suficiente para os mesmos, e não a comparação entre as diferentes relações.

E eu acho incrivelmente positiva a possibilidade da diversidade de relações! Gosto de meninas e meninos (by Legião :P), de pessoas com idades muito diferentes entre si, experiências de vida muito peculiares...não teria sentido, e nem acho produtivo, uniformizar todas elas e nem os sentimentos que as mesmas me proporcionam.

Da mesma forma, nao crio expectativas de que os indivíduos com quem me relaciono irão me complementar nas diversas áreas de interesse que possuo. Na verdade, o que acontece é que “naturalmente” nos aproximamos de pessoas que apresentam similaridades conosco (do mesmo modo como acontece nas amizades). Algumas pessoas vão ter mais compatibilidade do que outras, mas eu nao preciso escolher entre elas! Todas têm características que me encantam, que nos aproximam e nos realizam mutuamente.



Quando nos desvencilhamos da idéia do amor romântico, um mundo de possibilidades se apresenta! Ninguém é e nem precisa ser perfeito, nao há um único amor “verdadeiro” para a vida toda! E é muito mais provável que, sem a exclusividade imposta pela monogamia, ao longo da vida, encontremos pessoas que, de fato, nos enriqueçam, contribuam para nossa felicidade e nosso desenvolvimento enquanto seres humanos.

Quanto mais pessoas se preocuparem verdadeiramente conosco, quanto mais laços criarmos, quanto mais nos doarmos, mais chances teremos de construir uma existência e um mundo que valham a pena.

Sharlenn

sexta-feira, 23 de maio de 2014

A caixa da mononormatividade

Ninguém deveria ser OBRIGADO a amar uma só pessoa por vez, ter relacionamentos seriados (não concomitantes). A imposição do amor exclusivo é tortura afetiva!

Não queremos impor o Poliamor a ninguém, pois AMOR não se impõe, se conquista. Mas a marginalização que sofremos por amar... simplesmente amar, de forma honesta e consensual mais de uma pessoa, é simplesmente um absurdo, um dogma, um PRECONCEITO!

Então não venham me dizer que o que eu vivo é errado. Errado é dizer que o que eu sinto não é amor só porque você não entende, porque não consegue sair da sua caixa mononormativa e perceber que o mundo é muito mais colorido do que a dualidade preto/branco que lhe ensinaram a vida inteira.

Saia da caverna ou permaneça nela, a escolha é sua. Mas não apedreje quem teve a coragem de se aventurar em campo aberto, de ousar, de queimar o cabresto social.


Sharlenn

terça-feira, 20 de maio de 2014

O dogma da "normalidade"


O que vem a ser um dogma?

Muitos utilizam essa palavra sem o pleno conhecimento de seu significado. Bem, segundo o dicionário Houaiss da língua portuguesa, temos como definição: " s.m. Teologia. Aspecto, item particular, mais importante de uma doutrina religiosa que se apresenta como algo indubitável ou inquestionável. 
P.ext. Qualquer discurso ou ideologia de teor inquestionável. 
P.ext. Causa delimitada; opinião estabelecida; preceito. 
(Etm. do grego: dógma.atos, pelo latim: dogma.atis)". 

Já a questão da normalidade é mais complexa e vamos nos utilizar da conceituação de alguns autores  que se debruçaram sobre o tema:

"Segundo Davis (apud Silva, 1997, p. 8), a noção de norma e normalidade é uma invenção relativamente recente. Embora, como diz Davis, a tendência a fazer comparações seja muito antiga, a gênese da idéia de norma e normalidade localiza-se nos séculos XVIII e XIX, em conexão com o processo de industrialização e de transformação capitalista. Desenvolveu-se aí, em conexão com noções sobre nacionalidade, raça, gênero, criminalidade e orientação sexual, um conjunto de práticas e discursos centrados ao redor da noção de norma e de normalidade. [...] Nesse sentido, a norma se estabelece a partir do controle, da regulação da população. O interesse em uma população saudável, perfeita, normal, incide em uma questão mercantilista de produção, ou seja, sujeitos governados e adestrados para a produção e o consumo."(http://www.pedagobrasil.com.br/educacaoespecial/inclusaoexclusao.htm)


"Aristóteles afirmava que o homem é um animal político (“Homo zoon politikon”), o homem é naturalmente gregário. Diferentes grupos criam hábitos diversos, dependendo tanto do ambiente quanto do fator histórico ou da sua concepção de rerum natura (do latim “a natureza das coisas"). Se desprender-se dos hábitos do seu grupo constituísse anormalidade, estaríamos determinando uma espécie de súplica por estagnação. As normas seriam invariáveis, impossíveis de qualquer mobilidade ou modificação. Nosso modo de viver, ao contrário, é um constante reavaliar do que temos feito e do que podemos fazer, de forma que as normas, leis, valores morais e padrões estéticos modificam-se com certa frequência no transcorrer do tempo. Nossa própria concepção de normal é variável." (http://tenhaumatoalha.wordpress.com/2011/12/12/o-ideal-normalizador-e-as-muitas-visoes-sobre-a-normalidade/)

Dessa forma, a partir dos conceitos esclarecidos acima, podemos entender o dogma da normalidade seria um discurso inquestionável sobre algo que está em constante mudança e contradição e, que não é, de forma alguma natural e sim, uma invenção, adaptação que cada cultura e época constrói para adequar os indivíduos aos interesses dos setores dominantes.

E nesse sentido que estamos nos propondo a refletir sobre o conceito do dogma da normalidade em nossa sociedade. Primeiro é interessante questionar quem estabeleceu no ocidente contemporâneo o que é e o que não é  NORMAL. Quais os interesses em declarar que certos indivíduos podem ser considerados sãos e quais devem ser considerados insanos/loucos/desajustados?

Como já citado por Davis o processo de industrialização e a transformação (e consolidação) capitalista  são determinantes para tal classificação de normalidade. É normal o que é útil à engrenagem capitalista. Ou seja, as pessoas precisam ter pensamentos, valores e comportamentos que coincidam com os interesses da burguesia. A ideologia burguesa, incluindo a grande mídia,  é  grande responsável por veicular esses pensamentos/valores/comportamentos entendidos pelo senso comum como "normais". Assim temos alguns exemplos bastante óbvios do que estamos tratando: é normal menina gostar de rosa e brincar de boneca (o contrário não); é normal que os adolescentes do sexo masculino possam ficar com várias meninas (o contrário não); é normal que todos se casem com UMA pessoa do sexo oposto (o contrário não); que tenham filhos herdeiros; que formem famílias tradicionais e nucleares (o contrário não); que as classes trabalhadores sejam exploradas para gerar lucro às classes dominantes - trabalhando 8 horas por dia ou mais e ganhando em média algo próximo de um salário mínimo; é normal que as profissões e salários mais valorizados sejam aqueles condizentes com o aumento da economia capitalista. Ou seja, as pessoas precisam seguir uma trajetória de vida que se encaixe com os interesses burgueses.

Mas o que acontece quando um indivíduo foge a esses padrões? estigmatização, patologização, discriminação, perseguição, exclusão, punição, criminalização.

E é dessa forma que em nossa sociedade é bem mais aceita uma família tradicional desestabilizada do que uma família baseada em modelos alternativos; mais aceito um casal hetero sem condições psicológicas e financeiras para criar uma criança do que um casal homossexual com as melhores condições possíveis; mais aceito um homem que traia sua esposa do que aceite ter com ela uma relação aberta; mais aceito um casamento monogâmico por interesses financeiros ou fundamentados em condições patológicas de dependência, ciúme, insegurança, possessividade e machismo do que um arranjo poliamoroso realizador e potencializador para todos os envolvidos.


Sendo assim, proponho que repensemos os conceitos de normalidade: “O ‘anormal’ de uma sociedade pode ser apenas alguém distanciado de sua cultura de origem, ou uma voz dissidente do poder instituído. O que em outras épocas era considerado loucura, hoje pode ser padrão de normalidade. O que era considerado um absurdo nos padrões da ‘norma’, poderia ser uma grande descoberta, algo capaz de revolucionar a sociedade.” (AIUB, 2011.)

Sharlenn 

quarta-feira, 14 de maio de 2014

Bandeira Poliamorista!


O modelo de família e relacionamentos afetivos/sexuais  tradicionais atendem a interesses específicos que relaciono em nossa sociedade com o capitalismo.  Há uma ideologia burguesa/moralista  que impõe o certo e o errado em termos de relacionamentos e sexualidade, mas tal ideologia é completamente arbitrária, sem fundamento racional. A burguesia precisa de instrumentos de controle da natalidade e genealogia que permitam organizar a transmissão da herança (propriedade privada). Alem disso, existe a necessidade da competição como instrumento de funcionamento do mercado e também de controle social. A família nuclear deve priorizar apenas os indivíduos que a compõem o que gera  uma falta de solidariedade e sentimento de coletividade.

Ademais, o controle da sexualidade precisa ser exercido para que se garanta o foco no trabalho alienado – vide Freud e Marcuse.

Nesse sentido, minha posição é que o Poliamor só pode ser um modelo de relacionamento amplamente aceito e vivenciado em uma outra sociedade - que considero ser o socialismo/comunismo - pois os valores decorrentes de sua prática vão contra a manutenção da sociedade capitalista.  A possibilidade de envolvimentos múltiplos (tanto afetivos quanto sexuais) permite a ampliação dos laços sociais,  estimula a solidariedade e o sentimento de coletividade. As relações potencializam umas às outras ao invés de se excluírem. Nao há necessidade de  separação entre amizade e amor, nao há sentido em se preservar uma genealogia. As famílias poderiam ter vários formatos sem a obrigatoriedade de se estabelecer um pai ou uma mãe biológicos. Alem do mais, a multiplicidade de relacionamentos coabitantes gera uma comunidade dos meios de subsistência.

Por tudo isso é que defendo a bandeira do Poliamor sim! Dessa forma, lutando desde agora,  é que teremos condições de sermos, ao menos, respeitados e termos nossos direitos garantidos.

Sharlenn e Raguinm


quinta-feira, 8 de maio de 2014

Trial

Hoje, meus dois relacionamentos, Lua e Rafael, resolveram "oficializar" também a união entre eles! Não posso descrever a felicidade que estou sentido de estar presente nesse momento e, mais, fazer parte dessa história! São duas pessoas lindas, maravilhosas, compreensivas, amigas, sinceras, leais, generosas, duas pessoas que significam muito pra mim, que fazem parte diretamente da minha vida e da minha felicidade.

Posso afirmar que o dia 8 de maio será um marco em nossas vidas, não só por causa do início do relacionamento dos meus amores, como também pela reafirmação do meu relacionamento com ambos. Ficou claro que o que tenho com o meu "polimarido" Rafael (Raguinm) não é posse, obsessão, objetificação, mas sim o que denominamos de MAIS AMOR! Somos amigos, melhores amigos, nos damos força, apoio, incentivo e queremos passar nossa vida juntos porque nos fazemos muito bem; da mesma forma, agora a Lua entra como alguém que faz parte de nossas vidas e com quem queremos multiplicar esse amor.


Sharlenn




terça-feira, 6 de maio de 2014

POLIFOBIA


Eu quero poder gritar toda a minha revolta contra esses moralistas e conservadores de M! Tenho vivido há quase 3 anos como poliamorista e, desde o início, não escondo isso de ninguém. Uns ficaram espantados, outros sem entender, a maioria achando um absurdo e/ou me considerando uma pessoa louca!

Mas quero que todos saibam que isso é POLIFOBIA! A Polifobia é uma forma de opressão que serve à instituição da monogamia, à monogamia como norma social. Segundo as ideologias da polifobia, o poliamor não existe, não envolve amor de verdade, é uma fase, um tipo fútil de "rebeldia adolescente", coisa de gente que não é séria, que não é responsável ou que não sabe escolher. Ela é vinculada fortemente ao machismo, que trata a mulher como propriedade do homem e trata de maneira desigual os homens e mulheres que se relacionam com mais de uma pessoa: a mulher como puta e o homem como garanhão ou como "corno manso" (quando sua parceira está em outro relacionamento). É uma concepção preconceituosa e dogmática baseada em mentiras e estereótipos depreciativos que colocam a monogamia como verdade universal. É uma opressão como qualquer outra (racismo, machismo, homofobia, etc.). Não é porque você não consegue entender ou viver, que é errado, feio, "sujo". Como eu escolho amar e relacionar não interfere no meu caráter, na minha capacidade de fazer nada!
Vejo amigxs sendo demitidos por serem polis, vejo pessoas com medo de exporem seus outrxs parceirxs por receio de serem julgados negativamente pela família, pelos amigos, pela sociedade. Quando mais de dois parceiros estão juntos em algum lugar público são tratados de maneira depreciativa, especialmente quando é uma mulher com mais de um homem ou quando é um grupo não-hetero. Homens muitas vezes recebem o comentário “ta se dando bem!” como se as mulheres com quem estivesse envolvido fossem meros objetos ou troféus.
Eu mesma sofro constantemente essa opressão porque fui acusada em processo (de guarda da minha filha) de não ser uma pessoa confiável ou responsável por ser poliamorista! Mesmo quando alguém aparentemente aceita o fato de eu ser mãe e poli, me indagam: "mas você não expõe nada disso pra sua filha não, né?" Expor o quê, eu pergunto??? É sério que as pessoas acham que, por sermos polis, somos inconsequentes? Eu sinceramente me pergunto: "será que essa pessoa monogâmica sabe criar uma criança?" Por que ser negra, branca, mono, poli, homo, hetero, bi, trans, não tem nada a ver com ser um sujeito íntegro ou um babaca! Quantos homens, heteros, brancos, cis que conheço que não valem uma moeda de R$ 1, 00?
Sinceramente acho que está na hora de mostrarmos ao mundo que somos pessoas que discordam do modelo vigente como única opção de relacionamento. Somos pessoas com medos, sonhos, aptidões, fraquezas, como qualquer ser humano.
Porém, é interessante perceber como muitos dos que nos criticam são hipócritas: vivem em relacionamentos baseados em mentira e no desrespeito; traem seus parceiros (chegando a ter umx “oficial” e umx “amante”!), escondem seus desejos, limitam e controlam as amizades de suxs parceirxs. Chega de trair a mulher e achar que isso é mais válido do que ser sincero e entender que a monogamia não serve mais para muitas pessoas. Trair é desonesto; ser poliamorista é ser franco consigo e com xs outrxs! É ser leal! Chega de tentar controlar a vida e os contatos de seus parceiros como se fossem sua propriedade! Controlar é desrespeitoso; ser poliamorista é ser livre e libertar! (e, é claro, nao estamos falando da liberdade liberal, mas da liberdade num sentido de realização do ser). É entender que o amor não precisa ser finito, possessivo ou egoísta!
Vão me julgar porque eu sou poli? Por que eu acho possível e desejável poder amar mais de uma pessoa?
Eu escolho ser libertária e racional! Quem se identifica como reacionário, moralista e dogmático... ou mude, ou desapareça do meu caminho, porque, sinceramente, estou cansada demais de ter que lidar com tanta estupidez, imbecilidade, ignorância...
Vamos à luta por respeito! Vamos lutar por direitos! Contra a Mononormatividade e a Polifobia!

Sharlenn e Raguinm