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sexta-feira, 28 de março de 2014

Não troque, some!

Se uma pessoa interessantíssima aparecer na sua vida, super compatível com você (no meu caso, de extrema esquerda, racional, rockeira, poli, ateia, etc.), fique com ela! Pessoas com tão alto grau de compatibilidade são raríssimas. 
Após algum tempo, se uma segunda pessoa, também compatível intelectual, emocional e sexualmente pintar, não troque uma pela outra, SOME! Uma pessoa é foda pelo que ela é e não em comparação com as demais! Não me peça para escolher entre Black Sabbath e Pink Floyd; entre Hesse e Kafka; Nietzsche e Marcuse!
Não entenda as pessoas como peças de roupa que, após x tempo devem ser substituídas por outras mais novas ou como qualquer outro tipo de coisa que " perde a validade" após determinado tempo de "uso".
Amores não devem ser trocados! Pessoas não são objetos!

Cada uma!!!

Não sei bem o motivo, mas é muito comum que as pessoas (polis ou não) me procurem quando querem conselhos sobre relacionamentos. Eu ajudo dentro das minhas possibilidades, mas a verdade é que não sou muito útil (pelo menos eu acho) quando o relacionamento em questão não é poli. Isso porque, percebo que em 90% das vezes, os conflitos de uma relação mono, só existem porque ela é mono. O que não quer dizer que as relações polis não tenham seus problemas - que em geral são derivados de resquícios da monogamia nos indivíduos. Porem, há certamente um problema que visualizo ser mais específico das relações poliamorosas: a questão do tempo disponível.

Em debates com pessoas polis e também em poliencontros, essa questão é sempre alvo de interesse e preocupação. Eu mesma já sofri por conta da escassez de tempo em que somos obrigados a viver como trabalhadores no capitalismo. Nesse sentido, as pessoas buscam soluções adequadas às necessidades dos indivíduos que compõem cada relação...ok! 

Entretanto, às vezes surge uma pergunta de um sujeito mono qualquer que me deixa irritada. Hoje foi dia: -  " você é poli porque uma pessoa não te basta? Não acha isso um exagero e até egoísmo?"  Só...COMO ASSIM? Já tinha ouvido a primeira pergunta inúmeras vezes e a resposta é sempre a mesma: " Não PRECISO ficar/ me relacionar com mais de uma pessoa, aliás, não preciso sequer me relacionar para ser feliz ou seja lá o que for...mas eu QUERO ter a POSSIBILIDADE de viver os momentos e os amores que casualmente possam aparecer na minha vida! É bem simples! 

Agora..." Não acha isso um exagero e até egoísmo?" !!! Vamos por partes: exagero? Ter mais de um amigo é um exagero? Ter mais de uma comida favorita? Música? Gostar de mais de um autor? NÃO! Coisas/ pessoas que nos fazem bem não são exagero, são muito bem-vindas! Exagero é ter que trabalhar em mais de um emprego para precisar se sustentar, exagero é ficar 3 horas no trânsito para ir e voltar do trabalho, exagero é pagar R$ 3,00 na tarifa da passagem, é esperar duas horas para ser atendida na UPA, etc, etc. 

E EGOÍSMO? Aí a ignorância alheia pegou pesado! Se somos polis não vemos nossos relacionamentos como prisões, não somos carcereiros ou prisioneiros, não exigimos exclusividade afetiva e/ou sexual. E mais, temos uma palavrinha em nosso "dicionário" que se chama COMPERSÃO - FICAR FELIZ COM A FELICIDADE DE QUEM SE AMA! Então Não, não é egoísmo ter mais de um relacionamento poli. Na verdade, egoísta e um termo bem mais aplicável a quem é mono: o seu/sua parceirx só pode ficar, transar, namorar, viver com VOCÊ! E isso, independentemente se outras pessoas também o/a desejam/amam e/ou se elx deseja/ama outrxs. 

Conclusão: antes de falar sobre egoísmo alheio, 1) entenda o que a palavra significa; 2) analise seu próprio relacionamento antes de julgar o(s) dxs outrxs!

terça-feira, 18 de março de 2014

Sem máscaras!

Hoje tive vontade de escrever sobre as dificuldades de viver sendo quem "escolhi" ser... no seio de uma sociedade patriarcal, machista, capitalista, preconceituosa, alienada!

Me assumir poli não foi fácil...venho de Petrópolis, uma sociedade provinciana e conservadora, venho de uma família "tradicional" petropolitana... , fui casada por vários anos nos moldes monogâmicos, tenho uma filha pequena desse casamento, sou professora de adolescentes. Para "piorar" meu estigma, sou atéia, socialista, rockeira - qualidades não muito apreciadas pela grande massa, menos ainda por minha família, colegas de trabalho, etc, etc.

Bem, na verdade não foi tranquilo me entender e nem me assumir como nenhuma dessas coisas. Passei por crises existenciais até conseguir me permitir ser quem "sou".  Mas, quando falamos por aí: "sou atéia", "sou socialista", "sou rockeira", as pessoas têm mais ou menos uma ideia do que estamos falando e, mesmo que não gostem, já se habituaram com a existência desses "tipos estranhos". Mas quando afirmamos sou POLIAMORISTA, oh...as pessoas ficam sem reação, nem entendem o que essa palavra significa, mas, geralmente deduzem que é algo muito ruim, pervertido..."poligamia?" "Ela é fácil, fica com qualquer um?" "Ela pratica a sexualidade de formas bizarras?" E por aí vai... Por mais que expliquemos que não existe natureza ou essência humana e, portanto, que a monogamia humana é simplesmente cultural (que, inclusive atende a interesses político/econômicos específicos na sociedade de hoje...) e que ser poliamorista, para mim, nada mais é do que não entender a exclusividade afetiva/sexual, o ciúme, o controle do outro, a posse, o "amor romântico" (idealizar que uma pessoa pode te completar e que serão felizes ad infinitum), a insegurança (medo de ser trocadx), a auto-repressão e a repressão imposta ao parceirx para não sentir desejo ou se apaixonar por outrx(s) [e todas as consequencias políticas implicadas nisso] como algo positivo. Obviamente estou simplificando, mas, em linhas gerais, ser poliamorista é se permitir e permitir a quem ama, o AMOR (em todas as suas formas). O que tem de errado nisso?

Para o senso comum há algo de muito errado (que eles não conseguem explicar bem o que seja), para os religiosos em geral (principalmente cristãos) estamos condenados ao inferno (tsc, tsc, tsc...parece que nem leram a Bíblia, enfim....), para o Direito...há controvérsias no direito brasileiro, mas ainda é crime a bigamia (ser casadx com duas pessoas) então..., para o "sistema" somos um erro que deve ser eliminado (é assim mesmo que me sinto!) pois, fazer swing, ter relações abertas (com exclusividade afetiva!), traição (principalmente quando exercida por homens), tudo bem... essas práticas, desde que mantidas de forma "privada", sigilosa, não representam risco algum ao status quo, o capitalismo já até conseguiu inúmeras formas de lucrar com essa sexualidade que, por ser reprimida, se manifesta em algum momento, de alguma forma... então temos as casas de swing, as revistas masculinas, os vídeos pornográficos, as "acompanhantes de luxo", as festas "safadinhas", etc. Porém, AMAR e se relacionar PUBLICAMENTE com mais de uma pessoa... AÍ NÃO! Isso já é "baixaria", "promiscuidade", "safadeza"...Oh! Rompemos a barreira da "moral e dos bons costumes"?  Estamos "profanando" a Igreja e a família? Incentivando o sexo na amizade??? NÃO! E a propriedade privada, como fica?? E a competição entre as pessoas?? Vamos acabar com as idealizações do "amor perfeito"? Da "família perfeita"? É...realmente um absurdo! 

Mas eu, devido a algum defeito na hora da "formatação social", me tornei crítica e, portanto, SEMPRE "do contra". Perto dos trinta, resolvi deixar as "máscaras" para trás e percorrer a longa trajetória de "se tornar quem se é". E, sim, com consciência e tranquilidade que repito: sou POLIAMORISTA! Não é fácil ouvir de todos os lados que você é egoísta (pois eu deveria me preocupar em não constranger minha família, por ex.), que você é "fácil" e fica "com qualquer um", que você não se dá ao respeito (hein?!), e ainda que você é uma péssima influência... ter que provar na justiça que você não deixa de ser uma boa mãe (na verdade, sou uma excelente mãe!), ter que provar no trabalho que suas opções afetivas, sexuais, etc., não interferem em nada na sua competência. 

Pois é, mas eu amo mais de uma pessoa e adoro ter a tranqüilidade e a liberdade de pensar e falar isso! Adoro não viver mais na hipocrisia, adoro ter me desfeito das máscaras "socialmente aceitas". E gostaria muito que o mundo deixasse de ser tão hostil, que as pessoas deixassem de ser tão babacas e/ou alienadas. 

Como Sartre já dizia (e os Titãs concordaram) "o inferno são os outros!"

Sharlenn

sábado, 15 de março de 2014

Hipocrisia pouca é bobagem...

Poucas coisas são piores do que a hipocrisia. Indivíduos sem coragem suficiente para assumir sua divergência ao status quo, assumir a autenticidade de seus pensamentos, desejos e valores; ou que buscaram adequação devido a interesses escusos ou vantagens pessoais são, para mim, o que há de mais fétido e degradante na humanidade. Tornam-se vermes recalcados, ressentidos e inseguros que vestem uma máscara de autoconfiança que, em verdade, não possuem. O semblante plácido esconde a mente perturbada que busca manipular a realidade e vingar sua covardia.

sexta-feira, 14 de março de 2014

2 anos e meio de muito "Poli-AMOR" !

Eu e Rafael estamos ha mais de dois anos e meio juntos numa relação, desde o início, poliamorosa. E digo, nunca antes me senti afetiva/sexualmente tão realizada como agora. Nosso amor pode não " fazer sentido" para algumas pessoas, mas ele é REAL e MARAVILHOSO!
Então, sugiro que, antes de saírem afirmando por aí que poliamor é "pegação", "traição", "incapacidade de escolher", etc., conversem primeiro com quem vive e se identifica como poli... tenho certeza, que a maioria das pessoas sairiam ou atordoadas ou, se racionais, com uma nova perspectiva do significado de AMOR.

REFLETINDO SOBRE O CIÚME


Muitos monogâmicos vêm me dizer que nunca poderiam ser polis por serem ciumentos, etc. Tenho duas questões a levantar sobre isso:

1) quem disse que poli tb não sente ciúme? Tem gente que acha que precisa chegar a uma "elevação de espírito tal" para ser poli... e não é assim. Apenas vemos o ciúme como ele é: um sentimento (por isso irracional) negativo que gera muito sofrimento para quem o sente e de quem ele é alvo. Buscamos sim, trabalhar o ciúme, minimizar, controlar, etc. Um ex que dei para um amigo outro dia: vc sente raiva, já quis matar gente por aí que te irritou, não? MAS nem por isso o fez!
Se o tempo todo aprendemos que devemos saber lidar com nossa raiva, nossa gula, nossa preguiça, nossos pré-conceitos", porque com o ciúme "deve" ser diferente?? Minha opinião: N, não deve!


2) O formato dos relacionamentos monogâmicos, por exigir exclusividade afetiva/sexual como regra, estimula o ciúme, pois podemos ser "trocados" a qualquer momento, basta que nosso (a) parceiro (a) arranje "alguém melhor" . Por isso o constante estado de alerta, de "medo de perder", uma tensão horrível e inútil... porque nunca conseguiremos impedir a atração ou a paixão (nossa ou do outro (a)), o máximo que podemos fazer é limitar as vontades envolvidas (e isso me soa egoísta...enfim). No entanto, o relacionamento poli, por sua dinâmica, faz o ciúme perder espaço... ninguém é trocado por ninguém! Se não há exclusividade, esse medo não faz sentido. Aliás, o que venho percebendo cada vez mais é que os polis desejam que seus parceiros (as) se conheçam, se dêem bem (tendo ou não relacionamento entre si também). Dessa forma, ninguém se sente abandonado, excluído e podemos contar com apoio e amizade de mais pessoas, criamos um "círculo" maior de intimidade, respeito, amizade. 


E EU VEJO MT, MT GENTE QUERENDO ISSO, QUERENDO A MESMA COISA.. Portanto, não é utopia, é plenamente possível que alcancemos um estado em q ue as relações sejam mais prazerosas, livres e ao mesmo tempo cúmplices.

ABAIXO O TABU DO CIÚME COMO "PROPRIEDADE DA NATUREZA OU ESSÊNCIA HUMANA".


Sharlenn

" COMO CHEGAR A SER O QUE SE É."


Já fui moralista, já fui ciumenta, possessiva, egoísta, reproduzi machismo, agi de forma preconceituosa em várias situações, já achei que era inútil lutar por qualquer causa...e o pior, afirmava que eu era assim mesmo e pronto, como uma coisa definida, incapaz de mudar. 

Ainda bem que eu estava errada! Não nego meu passado, minhas falhas e erros, mas reavaliei todos os meus "dogmas", minhas "necessidades", sentimentos, atitudes...felizmente passei por uma crise existencial que me proporcionou chegar a ser quem sou (ainda com mil limitações) e hoje estou em paz comigo mesma. 


Uma pena existir tantas pessoas resistentes às mudanças e ao aprendizado, uma pena tantos não darem o devido valor à razão, não se questionarem sobre o mundo e nem sobre si mesmos.

Ser uma pessoa crítica (e autocrítica) é uma virtude, não um defeito.


Sharlenn

Sobre Frustração e Realização no Amor

Hoje estive muito pensativa a respeito das relações afetivas/sexuais, os vários modelos não monogâmicos, a própria monogamia, etc., e, por alguns momentos, me senti tentada a desistir de me permitir novos vínculos afetivos (de qualquer espécie).

Posso estar parecendo dramática, drástica...mas as decepções vão se acumulando - o que em um dia parece ser algo realizador, potencializador, no outro se torna fonte de angústias e ressentimentos.


 É, de fato, muito difícil, em meio a uma sociedade neurótica/obsessiva encontrar indivíduos dispostos e/ou capazes de se relacionarem com o outro de forma "saudável". Mas, no fim disso tudo, o que percebi, é que as pessoas que me decepcionaram/magoaram/frustraram, conseguiram me causar bem menos danos emocionais justamente porque tenho outros vínculos afetivos fortes que enriquecem minha vida, partilham dos meus problemas, compreendem minha dor e continuam ao meu lado. 


Assim, apesar de qualquer enlaçamento afetivo/sexual, ser um "risco" potencial de sofrimento, é também a possibilidade de novos e bons encontros...o que decidi a partir desses últimos relacionamentos "problemáticos" foi aumentar ainda mais meus critérios de envolvimento emocional (pode ser uma decisão radical...mas, percebo ser a mais adequada às minhas necessidades) e me posicionar ainda mais fortemente sobre a minha ideia de que TODO relacionamento afetivo deva ter a AMIZADE como fundamento necessário e prioritário.


Por fim, defendo mais do que nunca o Poliamor como o modelo de relacionamento capaz de (entre tantas outras coisas) minimizar os sofrimentos emocionais. Pode parecer contraditório: ter mais relacionamentos não significa mais probabilidade de frustração, decepção, dor? Percebo que não. Ter ou estar aberto a ter mais relacionamentos afetivos de qualidade, faz com que as expectativas sobre o outro diminuam e que, tendo a amizade como algo basilar, as relações afetivo/sexuais que não deram "certo" deixem menos mágoas, que haja maior compreensão entre as partes, mais pessoas com quem contar, desabafar...e assim, seguir em frente. E seguir em frente não necessariamente é deixar o outro como um "fato" do passado, é entender que as relações humanas são dinâmicas e podem se configurar de inúmeras formas. Não é entender a relação passada como um erro, mas como algo que, naqueles moldes (e, muitas vezes, naquele momento), não pôde se manter naquela configuração...


Ainda temos muitos resquícios do terrível "amor romântico" e assim, por vezes, caímos em suas armadilhas - idealizar, criar expectativas irreais, etc., - e, por mais que reafirmemos para nós mesmos que não fazemos tal coisa, a vida demonstra o quanto ainda temos que "evoluir" nesse sentido a fim de que tenhamos cada vez mais relações saudáveis, prazerosas, potencializadoras.


Sharlenn

domingo, 9 de março de 2014

Um trecho do livro sobre POLIAMOR que estou concluindo...


CAP II: O QUE NÃO É POLIAMOR

É necessário enfatizar que, nem todo relacionamento não monogâmico é poliamoroso. Pois, para ser poliamoroso, um relacionamento deve apresentar pelo menos três características básicas: a não exclusividade afetivo-sexual a dois, a consensualidade e a igualdade de possibilidades entre todos os parceiros envolvidos. A partir dessas informações, podemos assegurar que Poliamor não é swingue, não é poligamia, não é relação sem vínculo, não é relacionamento aberto (RA), e, definitivamente não é traição.

Por outro lado, não devemos identificar poliamor com uma relação que exija necessariamente, amor. O fundamento dos relacionamentos poliamorosos é a possibilidade, não a exigência. Esse fato se traduz na prática, através da possibilidade de um indivíduo que se entenda fundamentalmente poliamorista, acabe tendo apenas, por um período mais ou menos longo de tempo, relações baseadas na atração sexual e/ou na amizade. Ou então, pode ser que esse mesmo indivíduo tenha apenas uma única relação afetiva estável por anos, mantendo, concomitantemente, relações sexuais casuais com outras pessoas. Mas, em todas essas situações, esse indivíduo terá sempre a possibilidade aberta de envolvimento afetivo com outra (s) pessoa (s).

Mais um fundamento é a consensualidade. Isso quer dizer que todos os envolvidos devem estar cientes e de acordo com o tipo de relacionamento em que estão envolvidos. Ou seja, não é possível chamar de poliamor uma relação que é teoricamente fechada, mas em que uma das partes "pula a cerca", mantendo um relacionamento extra-conjugal.

Outro fundamento das relações poliamorosas é a igualdade entre os parceiros. Não há diferença de gênero ou hierarquia de uma parte sobre a outra. Ou seja, todos os parceiros envolvidos possuem a mesma possibilidade de manter vínculos sexuais e/ou afetivos com outras pessoas. Porém, importante destacar: a igualdade está sempre na possibilidade. Se uma das partes mantém um relacionamento estável afetivo com mais duas pessoas, essas pessoas não têm a necessariedade de manter a mesma quantidade nem o mesmo formato de relacionamentos (a não ser que haja um acordo nesse sentido entre as partes envolvidas).

Assim, respeitando-se esses três critérios, vemos nascer uma infinidade de formatos possíveis de relacionamentos poliamorosos. Formatos que têm se originado através das necessidades individuais, de acordos que atendem às especificidades de cada relação, da prática concreta. O que percebemos frequentemente é que muitos já viviam o poliamor ou se entendiam poliamoristas sem que tivessem tido qualquer conhecimento do termo.

O poliamorista é aquele que reconhece a possibilidade de amar mais de uma pessoa ao mesmo tempo, ele reconhece essa possibilidade para si e para os outros. Porém, reconhecer a realidade de que é possível amar mais de uma pessoa ao mesmo tempo e não permitir tal possibilidade ao parceiro, ou então, desejar ter múltiplos envolvimentos sexuais, mas não abrir a possibilidade para relações afetivas, não se configura Poliamor.

Outro engano muito comum é achar que os polis são pessoas que estão sempre à procura de sexo ou de novos relacionamentos, que estão sempre disponíveis, que não possuem critérios de escolha para parceiros sexuais ou afetivo/sexuais. A necessidade de sexo ou de relacionamentos mais profundos varia de indivíduo para indivíduo – e isso não é exclusividade dos polis – pessoas diferentes têm necessidades afetivas e sexuais diferentes e isso independe de serem polis ou não. Tal fato é muito evidente quando observamos a realidade poliamorosa brasileira, pois a maioria dos relacionamentos polis que temos contato, são relacionamento estáveis de vários anos e, não raro, com filhos.

Talvez esse fato também desmonte a concepção do leigo de que os laços entre os parceiros poliamoristas sejam menos estáveis, menos sólidos. O poliamorista não é aquele que não quer manter vínculos profundos e estáveis, pelo contrário, muitas vezes, o indivíduo poli é o que sente necessidade de ter mais relacionamentos estáveis e afetivos.

Apesar do que dissemos acima, existem estudos que apontam a questão da liberdade como uma característica basilar dos poliamoristas brasileiros. Contudo, ao compararmos a questão da liberdade à nossa experiência no âmbito poli, chegamos à conclusão de que a liberdade de que se fala não está em oposição à estabilidade nos relacionamentos. Liberdade não como falta de comprometimento ou mesmo, falta de regras: não é fazer o que quiser do jeito que desejar; liberdade poli, como temos podido averiguar é a não posse, a ausência de culpa, a liberdade de possibilidades. Obviamente que, pessoas diferentes, entendem e vivem a liberdade de modos diferentes, porém, ao que tudo indica, não há, entre a maioria dos polis de nosso convívio, uma falta de preocupação ou cuidado com o outro, não há falta de estrutura ou organicidade nas relações. Desse modo, enfatizamos que, ser poliamorista não é sinônimo de egoísmo ou egocentrismo, na realidade, como veremos adiante, a moral poli tende para o contrário disso.

Sharlenn
            

SOBRE O DIA INTERNACIONAL DA MULHER


MATÉRIA DA Revista GLOSS, EDIÇÃO DE JUNHO/2013, P. 113.

MATÉRIA DA Revista GLOSS, EDIÇÃO DE JUNHO/2013, P. 113.

JOGO ABERTO
Sharlenn defende o sexo com amor. Mesmo que seja com mais de uma pessoa ao mesmo tempo.

"Li um artigo sobre o Poliamor e me identifiquei completamente! Não sabia se conseguiria viver nesse modelo de relação na prática, mas a teoria me pareceu fantástica: sem exclusividade afetiva ou sexual e igualdade de possibilidades entre todas as partes. Nessa época, estava casada havia quase nove anos. Éramos monogâmicos, muito ciumentos e inseguros. Mesmo assim, a vontade de ficar com outras pessoas sempre existiu. Chegamos a tentar swing e relacionamento aberto (que permite envolvimento sexual, mas não afetivo, com outras pessoas) e, por fim, Poliamor. Não deu certo e a relação acabou. Na internet encontrei o grupo Pratique Poliamor Brasil. Depois conheci pessoalmente o Rafael, um dos coordenadores. Meu interesse era só teórico, mas acabamos nos apaixonando. Hoje moramos juntos. Entre a gente nunca existiu ciúme.
Acho que a nossa relação já ter começado poliamor contribuiu para isso. Como o Rafael é também meu grande amigo, gosto de falar para ele sobre quem me interessa. No início da nossa relação, fiquei um tempo com um amigo dele. Ambos sabiam e estava tudo bem.

Poliamor não é 'pegação', não são relações sem vínculos. O que nos importa, de fato, é a possibilidade de podermos viver outras relações de forma honesta. A monogamia serve para castrar os sentimentos do outro, pois, se uma pessoa não quer mesmo ficar com mais ninguém, ela não precisa de uma regra para impedi-la de fazer o que não quer, né?

No momento, eu e Rafael estamos só nós dois e, da mesma forma que antes, muito felizes. Não foi planejado, apenas aconteceu. Não temos necessidade de ficar com outras pessoas, só queremos estar abertos às possibilidades.

Se podemos amar mais de um filho, mais de um amigo, por que não mais de um(a) companheiro(a)? Qual a diferença? Um envolve sexo e o outro não? É o sexo que determina o amor que eu sinto? São temas que definitivamente merecem mais atenção."

Por Sharlenn Carvalho, 30 anos, filósofa e coordenadora do grupo Pratique Poliamor RJ.

sábado, 8 de março de 2014

Espírito Livre

Lutar ininterruptamente contra o fluxo entorpecente é tarefa árdua até para os espíritos mais fortes, mais “sadios”, mais “livres”. Em um mundo infestado por cobaias do deus Capital, zumbis guiados pelo consumo do supérfluo, pela “Vontade de inconsciência”, manter-se lúcido e inabalável é absurdamente desgastante, um desgaste quase intolerável.

Para os espíritos acorrentados e fracos, a luta pela sobrevivência é premissa por adequação. As capacidades humanas precisam continuar em estado de coma permanente, nenhuma critica ao modo “natural” de trabalho, relacionamento, família, conhecimento, hábitos, pode insurgir das mentes. E, quando tal falha no sistema ocorre, seus soldados tratam de solucionar de maneira, quer sutil, quer violenta, os focos de questionamento. 


Porem o aparato construído por tal deus nao pode sustentar um equilíbrio entre suas necessidades e as necessidades de seus zumbis-engrenagens. Um dia os zumbis, por mais imbecis que sejam, sentem a dor da fome apertar-lhes as entranhas e, assim, através do desespero, questionam a dor que lhes é infligida e lutam por aplacá-la. É quando a guerra fica mais divertida! Os lúcidos olham complacentes para o desespero dos famintos adormecidos...agora estarão eles também por acordar? Vão, enfim, sair de suas tocas , de seus becos? 


Eles saem, contudo, cegos, despreparados, desorientados. Chocam-se uns contra os outros, gritam consigo mesmos, gritam para o alto, em todas as direções. Parecem tolas crianças pirracentas...Porem, são muitas, cada vez mais e com mais fome; e através da fome, vão despertando aos poucos do coma profundo...e o deus sabe o que lhe espera...será devorado vivo por uma multidão de espíritos profundamente (agora) revoltados, eles exigirão vingança, exigirão seus anos de vida roubados, exigirão sangue!


Riem-se largamente os lúcidos que por séculos aguardaram esse momento de redenção. O destino que os esperava finalmente bateu-lhes à porta! Eles, enfim, poderão unir-se em saúde com os que até agora lhes eram tediosos mortos-vivos para construírem, em conjunto, um mundo SEM deus!


Sharlenn

COMO CHEGAR A "SER O QUE SE É?"



Já fui moralista, já fui ciumenta, possessiva, egoísta, reproduzi machismo, agi de forma preconceituosa em várias situações, já achei que era inútil lutar por qualquer causa...e o pior, afirmava que eu era assim mesmo e pronto, como uma coisa definida, incapaz de mudar. 

Ainda bem que eu estava errada! Não nego meu passado, minhas falhas e erros, mas reavaliei todos os meus "dogmas", minhas "necessidades", sentimentos, atitudes...felizmente passei por uma crise existencial que me proporcionou chegar a ser quem sou (ainda com mil limitações) e hoje estou em paz comigo mesma. 

Uma pena existir tantas pessoas resistentes às mudanças e ao aprendizado, uma pena tantos não darem o devido valor à razão, não se questionarem sobre o mundo e nem sobre si mesmos.

Ser uma pessoa crítica (e autocrítica) é uma virtude, não um defeito.

Sharlenn

Militar com amor - literalmente e em vários sentidos - só me faz bem! Foto tirada no ultimo Poliencontro (organizado pela Pratique Poliamor RJ)


A lógica poliamorosa


O Poliamor só nao faz sentido dentro de uma lógica de pensamento/sentimento em que o egoísmo prevaleça sobre a solidariedade; a posse sobre a liberdade; a objetificação sobre o entendimento de que todo indivíduo é um sujeito.

Em uma sociedade em que o sentido de comunhão e fraternidade  se sobreponha ao de competição , em que homens e mulheres sejam vistos e TRATADOS como iguais, em que a sexualidade deixe de ser um tabu (e sim, como mais uma das inúmeras maneiras de se obter prazer na companhia de outrxs), em um mundo em que a amizade esteja na base de todo e qualquer tipo de relação humana...sentimentos recorrentes na monogamia como ciúme, possessividade e insegurança, provavelmente serão entendidos pelo o que de fato são – sentimentos negativos produtores de sofrimento.

A exclusividade afetiva/sexual nao é prova de amor, é apenas um sintoma da sociedade machista, patriarcal, competitiva, exploratória, egoísta, alienante, moralista e hipócrita em que vivemos.

Sharlenn



Eu e meu polimarido!


EU VISTO ESSA CAMISA!


POR QUE SOU POLIAMORISTA?

Não entendo ser correto enxergar o Poliamor como sendo apenas uma “filosofia de vida”, ou mais uma forma entre tantas outras de relacionamento, tão válida quanto a monogamia ou outros modelos não monogâmicos. 

O Poliamor, por não ser um grupo, e sim, continuo afirmando, um fenômeno social, não possui uma ética própria, porém, a vivência poliamorsa (nos marcos do que tenho vivido, assistido e estudado) cria um conjunto de valores e emoções próprios. Nesse sentido, a situação é inversa ao que vemos em alguns grupos não monogâmicos (que não se entendem como poliamoristas) em que estes são ativos na produção de uma ética – valores e práxis – condizente com o objetivo que enxergam ser o mais apropriado para a felicidade humana. 

O Poliamor possui muitas formas Possíveis e prováveis de serem concretizadas. Mas, o fundamental, a meu ver, é a não exclusividade afetiva/sexual entre duas pessoas, a igualdade de possibilidade entre as partes envolvidas e mais... uma necessidade de desconstrução de valores, sentimentos, comportamentos pré-determinados socialmente. Não existe poliamorista que não questione – que não precise questionar – os valores e sentimentos advindos da monogamia. Se entender poli é necessariamente efetivar uma ruptura com os padrões aceitos e reivindicados socialmente pelo status quo: é necessário questionar a opressão de gênero, a família nuclear, sentimentos como ciúme, posse, é necessário questionar o próprio conceito de AMOR. 

No entanto, essas “marcas” não são conscientes em todos os polis. Inclusive, há os que as negam. De fato, é muito complicado viver em uma sociedade e ser contra a maioria dos valores que ela “prega” como corretos e verdadeiros. Entender que o machismo é uma opressão que afeta mulheres e homens em níveis “subconscientes” e que a igualdade de possibilidade entre as partes pressupõe uma luta constante contra essa opressão; compreender que sxs(s) parceirx(s) podem se relacionar com pessoas do mesmo sexo – por mais que você seja hetero, também é desconstruir a homofobia, lutar contra ela.

 Entender que o amor não se resume em uma fórmula pronta de “dois indivíduos do sexo oposto que se casam, têm filhos e são felizes para sempre” é ter que se perguntar "O que é o AMOR?" Se eu amo mais de uma pessoa, preciso entender que essas pessoas que amo também têm a possibilidade de amar outrxs sem deixar de me amar. É ter ciência que o amor não é finito (no sentido de que tem uma quantidade de amor a ser distribuída) e não é sinônimo de carência. E mais, se queremos a felicidade de quem amamos, é necessária uma reflexão sobre querer a felicidade de quem é amado por nosso amor. Ou não? Estaremos felizes com o sofrimento de quem amamos, precisamos para sermos felizes que a pessoa amada se restrinja “agora e para sempre” em amar e se relacionar afetiva/sexualmente com outrxs? Isso é amor? Ou...isso é Ego? 

Por tudo isso acredito que o Poliamor agrega pessoas, constrói formas novas de relacionamentos, não só entre as partes da “relação afetiva/sexual”, mas com os parceiros dos parceiros, com os amigos (que podem também serem parceiros sexuais ou não), com a família (que comporta inúmeros outros formatos que nao o da família nuclear e heteronormativa), com a sociedade. 

Sendo assim, é preciso perceber as implicações “morais”, políticas, religiosas, econômicas, jurídicas que esse fenômeno social – poliamor - acarreta. Continuar insistindo que é só mais um tipo de relação afetivo/sexual é não entender a complexidade da sociedade e as conseqüências que as relações acarretam em sua estruturação. A sociedade é feita de relações e todas elas trazem prejuízos ou benefícios para o todo. Estar em uma relação X é fazer parte, contribuir para a divulgação e consolidação de um modo X de sociedade

Não sou poliamorista apenas porque quero LIBERDADE para me envolver com quem e quando eu quiser (até porque não defendo uma liberdade irresponsável e liberal), sou poliamorista porque defendo uma sociedade onde haja comunhão, honestidade e solidariedade entre os indivíduos. Uma sociedade não opressora, não excludente. Uma sociedade em que os conceitos de amor, amizade, família, etc., sejam revistos e utilizados de forma que potencializem a existência humana em suas diversas esferas.


Sharlenn

TRANSVALORAÇÃO DAS RELAÇÕES AFETIVAS




Existe um tipo de ligação afetiva entre as pessoas – que pode envolver atração sexual ou não – que é o meu ideal para o mundo. Relações em que os conceitos de hipocrisia, falsidade, opressão, posse, “individualismo negativo” deixarão de existir; e a comunhão, solidariedade, confiança, carinho e cuidado serão o modus operandi nas relações.

Mas esse tipo de afeto só pode se desenvolver (em larga escala) em uma sociedade aonde a mentira não seja mais o “cimento social”, em que o ciúme deixe de ser entendido como “demonstração de amor”, em que “pão e circo” não sirvam mais como meios de controle e adestração social... só assim, a sinceridade, a honestidade poderão ser compreendidas como “saudáveis” e privilegiadas na comunicação: uma sociedade sem “máscaras”, sem medo da “não aceitação”, sem qualquer necessidade de competição entre os indivíduos, mas sim, que estimule o sentimento de “pertencimento” ao grupo, de fraternidade entre todos...


Como esse mundo ainda não existe – mas luto para que um dia possa existir – infelizmente não confio e não posso confiar na maioria das pessoas, não posso ser a pessoa que gostaria de ser (e que me faz mal reprimir) com todos aquelxs com que me relaciono em algum nível. Ainda que hoje eu seja muito mais “eu” do que fui no passado, é com tristeza que percebo, cada vez mais, que o mundo não está preparado para a pessoa que eu “sou” e, por isso, me torno mais reclusa e desconfiada. 

Espero que isso mude: que o capitalismo seja varrido da face da Terra, que o poder do opressor se volte contra ele; que a moral seja transvalorada; que as religiões – se ainda existirem – sejam expressões pessoais, de significado individual e positivo para o “crente” (aquele que crê) e não mais um dedo apontado proferindo “você vai para o inferno”; que o AMOR (que precisará ser reinventado) seja libertador, agregador e potencializador... que contribua para a felicidade e expansão dos indivíduos...e não o contrario...como vemos hoje.

Ah, que o amor volte a ser Philos! Ou alguma outra coisa parecida...

Sharlenn